A carne vermelha é um dos alimentos mais controversos da história da nutrição.
Apesar do ser humano ter vindo a ingerir carne vermelha durante grande parte da sua evolução, muitas pessoas ainda acreditam que esta pode de alguma forma ser prejudicial para a saúde.
Neste artigo irei tentar deixar de lado polêmicas, crenças pessoas, os aspetos éticos e ambientais e concentrar-me apenas nas provas científicas existentes em relação à carne vermelha.
A CARNE NÃO É TODA IGUAL
Os seres humanos ingeriram carne de forma consistente ao longo da sua evolução e os nossos sistemas digestivos estão bem equipados para lidar com ela.
Populações tradicionais como os Inuit e os Masai têm por hábito ingerir grandes quantidades de carne; Quantidades muito maiores do que aquelas que os portugueses e brasileiros normalmente ingerem, e ainda assim mantiveram-se num estado de saúde perfeita (1,2).
No entanto, a maior parte da carne que as pessoas ingerem hoje em dia, é diferente da carne que os nossos ancestrais comiam. Nessa altura, os animais andavam à solta e comiam ervas e outras plantas comestíveis para eles.
A carne deste tipo de animais, criados ao ar livre, é diferente da carne dos animais criados numa fábrica, alimentados com rações à base de cereais e sujeitos à aplicação de antibióticos e hormonas para estimular um crescimento mais rápido.
Hoje em dia, alguns produtos derivados da carne são ainda sujeitos a outros tipos de processamento depois dos animais terem sido sacrificados… são fumados, curados, depois tratados com nitratos, preservativos e vários químicos.
Portanto, é muito importante distinguir entre os diferentes tipos de carne:
Carne processada: Esses produtos normalmente são derivados de vacas criadas por métodos convencionais, depois passam por vários métodos de processamento. Como exemplo temos as salsichas e o bacon.
Carne vermelha convencional: As carnes vermelhas convencionais são relativamente pouco processadas, mas as vacas geralmente são criadas em confinamento. As carnes que são vermelhas quando estão cruas são chamadas carnes “vermelhas” e incluem a ovelha, carne de vaca, de porco e várias outras.
Carne branca: As carnes que são brancas quando são cozinhadas são definidas como carnes brancas. Esta categoria inclui carnes de aves como o frango e o peru.
Carne orgânica, de animais alimentados a pastos: Esta carne é proveniente de animais que foram criados e alimentados de forma natural, e que não foram sujeitos à aplicação de drogas e hormonas. A estas carnes também não foram adicionados químicos artificiais.
Quando se examina os efeitos para a saúde da carne, é importante compreender que nem toda a carne é criada da mesma forma.
Os estudos que investigaram a carne, especialmente aqueles realizados nos EUA, analisaram principalmente a carne proveniente de animais criados em confinamento e que foram alimentados com cereais.
Resumo: É importante fazer a distinção entre os vários tipos de carne. Por exemplo, a carne orgânica, de animais alimentados a pastos, é diferente da carne processada de animais criados em confinamento.
A CARNE VERMELHA É MUITO NUTRITIVA
A carne vermelha é um dos alimentos mais nutritivos que você pode ingerir. Está carregada de vitaminas, minerais e vários outros nutrientes que beneficiam a sua saúde.
Uma porção de 100 gramas de bife (10% de gordura) contém (3):
- Vitamina B3 (Niacina): 25% da DDR (Dose Diária Recomendada).
- Vitamina B12 (Cobalamina): 37% da DDR (Só é possível obter esta vitamina a partir de alimentos provenientes de animais).
- Vitamia B6 (Piridoxina): 18% da DDR.
- Ferro: 12% da RDA (A carne contêm ferro-hemo, que é muito melhor absorvido do que o ferro proveniente de plantas).
- Zinco: 32% da DDR.
- Selénio: 24% da DDR.
E ainda estão presentes uma variedade de outras vitaminas e minerais, mas em quantidades mais reduzidas.
Irá obter tudo isto ao ingerir apenas 176 calorias, que inclui 20 gramas de proteína de alta qualidade e 10 gramas de gordura.
A carne vermelha também é rica em outros nutrientes importantes como a Creatina e a Carnosina. Os indivíduos que se abstêm de ingerir carne, sofrem muitas vezes de efeitos negativos em vários aspetos da saúde, incluindo no funcionamento muscular e cerebral (4,5,6).
A carne de animais alimentados a pastos é ainda mais nutritiva do que a dos animais alimentados a cereais, contendo quantidades mais elevadas de ácidos graxos ômega e, de CLA, juntamente com uma maior quantidade de vitamina A e E (7,8,9).
Resumo: A carne vermelha é muito nutritiva, especialmente se for proveniente de animais que foram alimentados e criados de forma natural. É uma excelente fonte de proteína, ferro, Zinco, Creatina e de vários outros nutrientes.
DOENÇAS CARDIOVASCULARES, DIABETES E MORTE
Os efeitos da carne vermelha na saúde já foram estudados de forma intensiva. No entanto, a maior parte desses estudos são os chamados estudos observacionais, que não provam a causa, apenas que determinadas coisas estão correlacionadas.
Existem alguns estudos observacionais que indicam que a carne vermelha está associada a um maior risco de doenças cardiovasculares, diabetes e morte (10).
No entanto, se analisar os estudos maiores, que são de melhor qualidade, irá verificar que o efeito da carne vermelha diminui.
Numa revisão massiva de 20 estudos que incluíram um total de 1,218,380 indivíduos, a carne processada foi associada a um maior risco de doenças cardiovasculares e diabetes. No entanto, não foi encontrada nenhuma associação com a carne vermelha não processada (11).
No estudo EPIC, um estudo observacional de grandes dimensões que incluiu 448,568 indivíduos, a carne processada aumentou o risco de morte, ao mesmo tempo que não foi observado nenhum efeito em relação à carne vermelha não processada (12).
Quando se trata de um aumento do risco de doença cardiovascular, diabetes e morte… é crucial distinguir entre a carne processada e não processada, porque essas duas têm efeitos muito diferentes.
Os estudos observacionais parecem indicar que a carne processada (mas não a carne não processada) está associada a um aumento do risco de várias doenças e de uma longevidade mais reduzida.
Mas mesmo assim, é importante manter em mente as limitações desses estudos. As conclusões retiradas a partir de estudos observacionais têm tendência a estar erradas. A única forma de estabelecer a causa e efeito é através da realização de estudos duplo cego controlados.
Resumo: Alguns estudos observacionais mostram uma ligação entre a carne, a diabetes, problemas cardiovasculares e aumento do risco de morte. No entanto, outros estudos revelam que a associação encontrada refere-se apenas à carne processada e não à carne não processada.
A CARNE VERMELHA AUMENTA O RISCO DE CANCRO?
Já foram realizados muitos estudos observacionais que mostram que o consumo de carne vermelha está associado a um aumento do risco de cancro (13,14,15).
O cancro colo-rectal é o principal tipo de cancro que se acredita que a carne vermelha causa. Este é terceiro tipo de cancro mais diagnosticado em todo o mundo.
Um problema recorrente nesses estudos é que não parecem distinguir entre carne processada e a não processada. O que é inaceitável.
As meta-análises em que os investigadores analisaram dados provenientes de muitos estudos, mostram que o aumento do risco de cancro colo-rectal é muito baixo. Uma meta-análise encontrou um efeito fraco para os homens, mas nenhum efeito para as mulheres (16,17).
Outros estudos mostram que pode não ser a carne em si que contribui para o aumento do risco, mas sim compostos prejudiciais que se formam quando a carne é cozinhada (18).
Portanto, o método de cozinhar a carne pode ser o principal determinante dos efeitos definitivos da carne na saúde.
Resumo: Muitos estudos observacionais mostram que as pessoas que comem carne vermelha têm um maior risco de vir a sofrer de cancro colo-rectal, mas as meta-análises que analisaram as provas mostram que esse efeito é fraco e inconsistente.
CORRELAÇÃO NÃO SIGNIFICA CAUSALIDADE
Quando analisados mais de perto, praticamente todos os estudos que aparentemente “provam” que a carne vermelha faz mal à saúde, são os chamados estudos observacionais.
Esse tipo de estudos só podem demonstrar correlação, ou seja, que duas variáveis estão associadas.
Eles podem dizer-nos que os indivíduos que consomem mais carne vermelha têm mais probabilidades de adoecer, mas não podem provar que a carne vermelha causa seja o que for.
Um dos principais problemas com esse tipo de estudos é que são afetados por vários fatores de confusão.
Por exemplo, as pessoas que consomem carne vermelha (e toda a gente sabe que a carne vermelha faz mal, certo?) são pessoas que se preocupam menos com a saúde e têm maiores de probabilidades de fumar, beber em demasia, ingerir açúcar em excesso, seguir um estilo de vida sedentário, etc.
As pessoas que se preocupam com a sua saúde comportam-se de forma muito diferente das pessoas que não o fazem e é impossível corrigir todos esses fatores.
Outro problema com esses estudos é que normalmente estão baseados em questionários de frequência alimentar, em que se espera que as pessoas se lembrem do que comeram no passado.
É sempre má ideia tomar decisões de saúde baseadas apenas em estudos observacionais. Existem muitos casos na história em que estudos controlados duplo cego acabaram por demonstrar o efeito exatamente oposto.
Por exemplo, o estudo Nurses’ Health mostrou que a terapia de substituição de estrogênio ajudava a reduzir as doenças cardíacas nas mulheres. Mais tarde, um ensaio randomizado controlado verificou que na verdade aumenta as doenças cardíacas (19).
Resumo: Os estudos observacionais não podem ser usados para determinar a causa e efeito. Existem muitos fatores de confusão nesse tipo de estudos e os estudos de melhor qualidade acabam muitas vezes por demonstrar exatamente o oposto.
COMO TORNAR A SUA INGESTÃO DE CARNE VERMELHA MAIS SEGURA
Quando a carne é sujeita a altas temperaturas, podem ser formados compostos prejudiciais para a saúde. Alguns desses compostos incluem Aminas Heterocíclicas, Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos e Produtos Finais da Glicação Avançada.
Essas substâncias podem provocar cancro em animais, e se a carne realmente aumenta o seu risco de cancro (o que ainda está por provar) então pode ser por este motivo (20,21,22).
Mas isto não se aplica só á carne, os outros alimentos também podem formar compostos prejudiciais quando expostos a temperaturas muito elevadas.
Aqui tem algumas dicas para assegurar-se de que a sua carne não forma esses compostos prejudiciais:
- Use métodos de cozinhar menos agressivos tais como estufas e cozer em vez de fritar e grelhar.
- Não ingira comida queimada ou fumada. Se a sua carne está queimada, então retire as partes que estão queimadas.
- Poderá reduzir os níveis de HCAs de forma significativa se marinar a sua carne em alho, vinho tinto, sumo de limão ou azeite.
- Se tiver que cozinhar carne a temperaturas elevadas, vire a carne com frequência de forma a impedir que esta se queime.
Resumo: A maioria das pessoas preferem carne grelhada e frita, mas se quer apreciar a carne e obter todos os seus benefícios sem sofrer nenhuma das consequências negativas, então use métodos de cozinhar menos agressivos e evite queimar a carne.
CONCLUSÃO
Quando se olha para além das táticas de terror e dos títulos sensacionalistas dos média, as pessoas podem eventualmente dar-se conta de que não existem estudos controlados que associem a carne vermelha a doenças nos seres humanos.
Só existem estudos observacionais, que muitas vezes não separam de forma adequada a carne vermelha da carne processada.
Esses estudos também estão baseados em questionários alimentares, e eles pura e simplesmente não conseguem lidar com fatores de confusão complicados como a perceção da saúde.
Os estudos observacionais são criados para gerar hipóteses e não para as testarem. Ou seja, eles não podem provar que a carne vermelha provoca seja o que for.
Desde que dê preferência a carnes vermelhas não processadas e desde que se assegure de que está a usar métodos de cozinhar pouco agressivos e evite queimar peças de carne, então provavelmente não tem nada com que se preocupar.
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